A FRUTA POR DENTRO


Transe de ruídos abafados, farfalhar de lençóis, odores indecentes, risinhos que viravam gargalhadas sem freio e uma dor que de doer tão fundo já nem doía, deleitava, dava vontade de pegar de morder, de gritar, de morrer – de não morrer nunca mais..."

Vergonha infinita e falta de vergonha maior ainda.


Só aos poucos foi percebendo que dentro do turbilhão de imagens fundidas com odores, sensações táteis."

A perfeita imobilidade de sua espera tinha começado a tamborilar no chão com pezinhos indóceis.

Uma porção de minutos depois, ainda não viera. Viria mesmo? De repente a ansiedade venceu o que ela supunha ser a etiqueta da boa noiva e lhe abriu os olhos.


Virando-se de lado, descobriu então algo que fez seu queixo desabar...


Então veio. Veio determinado.


Enquanto era descascada por mãos inábeis, que ajudava com seus próprios dedos velozes a superar impasses em série, botões, laços, ela observou que as palavras tinham se recolhido de novo.

O mundo encolheu, concentrou-se numa área de poucos metros de raio a partir da cama, dentro da qual tudo reluzia em dobro, como se fosse à custa do apagamento geral de quando lhe estivesse fora.

Descobriu então que lembranças daquele tempo ingênuo, ao invés de amortecer, magnificava as sensações presentes.


Era como se lançasse em seu caldeirão fumegante de noiva – seu corpo! – muitas colheres de sopa de uma ternura que lhe enchia os olhos de lagrima e fazia o coração inchar como se fosse sair ela boca, enquanto, por contraste, tornava mais deleitosa a concuspicência de seu ato de mulher feita coberta por homem feito, aquela vertigem bestial.

Pecado, pecado, pecado, ela repetia em pensamento, rezando a Deus para aquilo não ter fim.




Sergio Rodrigues – Revista Piauí, Ed. 24.